A idéia – ou a esperança de que a criança vai morrer logo tranqüilizou-o secretamente. Jamais partilhou com a mulher a revelação libertadora. Numa das fantasias recorrentes, abraça-a e consola-a da morte trágica do filho, depois de uma febre fulminante”. Cristóvão Tezza, em O filho eterno, - romance com toque auto-biográfico de intensa beleza, sensibilidade e coragem - descreve a experiência de ser pai de uma criança com síndrome de Down, expondo as dificuldades em aceitar e assimilar tal realidade.
O homem dotado de capacidade de expressão, manejo nas palavras e no sentir, quando tocado nos subterrâneos da alma, produz coisas lindas e que dignificam a condição humana. Os fracassos são para ser explorados, vivenciados, ressignificados. Depois que fazemos a travessia, depois que enfrentamos o real que nos enoda e nos joga no limite de nossa capacidade de suportar a dor, transformamos a vergonha em arte, literatura. Ficamos forte e, redimidos, destemidos, damos ao significante o salto necessário. Saber ultrapassar os limites que, à primeira vista, escondemos, é sinal de nobreza no trato do sofrimento. Para o autor, “O fracasso é coisa nossa, os pássaros sem asas que guardamos em gaiolas metafísicas, para de algum modo reconhecer nossa medida”.
Cristóvão abre um debate franco e corajoso sobre a miséria humana, desmistificando imagens e vaidades ao revelar as fragilidades e imperfeições da existência humana. Sempre vamos ter que nos haver com errâncias da vida, seja por meio de um filho que nos chega com alguma deficiência ou certa dificuldade, ou por algo que em nós fraqueja. Contudo, o melhor é fazer como o autor - transformar a lama em ouro, preciosidade literária, artística. Sublimar - conferir à vida que malogra o estatuto de sublime exige coragem moral. Do sofrimento nascem belezuras.
Muitos pais procuram disfarçar a deficiência de um filho, tentam dissimular, esconder o desconforto e a vergonha de expor ao mundo o lado da vida que não saiu como desejavam. A tendência em esconder do mundo feridas e fracassos atribuímos à sociedade da perfectibilidade – uma cultura que não vê com bons olhos os defeitos e as diferenças. Somos treinados para aplaudir o bonito, o rico, o bem sucedido. O vencedor é sempre merecedor de palmas, pouco importa os meios utilizados para lá chegar. A vida que cultuamos é a que promete avanços e projeções. Ser bem sucedido significa ser portador de uma boa imagem, causar frisson, atrair holofotes, mesmo que seja sem fazer esforço, ou fazer por merecer.
O objetivo não é culpar os pais pela falta de habilidade em enfrentar esse mundo cada vez mais competitivo, em que as regras de mercado são violentas, rígidas e cruéis, mas contribuir no enfrentamento do problema. Quando os pais abrem o coração e aceitam falar, expor as angústias, raivas e pesares pelo que a vida lhes impôs de sacrifício, já é um bom caminho. Cristóvão, ao deixar-se deslizar pela angústia da qual foi tomado quando se viu pai de um filho com síndrome de Down, lança um novo olhar aos pais de crianças deficientes, tanto aos que julgam tal destino maldito, como aos que, por compaixão, os superprotegem. O melhor é achar uma forma de tratá-los com naturalidade, sem culpa e pena: “Quanto mais no chão ficar, melhor. Lembrava sempre de uma observação da clínica: freqüentemente os filhos dos pobres têm muito mais coordenação motora, agilidade, maturidade neurológica que os filhos dos ricos; a mãe pobre põe o filho no chão e vai lavar roupa, fazer comida, trabalhar – a criança que se vire. A mãe rica dispõe de colos generosos e perfumados, proteções de todo tipo contra o terror de infecção, babás cuidadosas, cintos de segurança, carrinhos, andadores com almofadas”.
FONTE:http://amoresurgentes.blogspot.com/2008_04_01_archive.html
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